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QUE SE VIRA FERA.

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Infância: Dúvidas cruéis


A curiosidade infantil pega os pais de surpresa. Saiba como responder às perguntas mais constrangedoras de seus filhos

No meio do jantar, a criança de sete anos lança a pergunta: “Mãe, o que é masturbação?” Garfos paralisados no ar, pais que se olham estarrecidos.

É difícil encontrar alguém que não tenha vivido ou presenciado uma situação parecida que, após o constrangimento, vira comentário bem-humorado numa roda de adultos. As crianças hoje estão expostas à toda sorte de informação. Algumas horas à frente da tevê bastam para fazer borbulhar a imaginação infantil. O noticiário anuncia que o cantor Michael Jackson é processado por ter abusado de crianças. Nas novelas, casais apaixonados aparecem nus na cama. Temas como homossexualismo são tratados com naturalidade. Natural também que a criança fique curiosa, principalmente quando o assunto é sexo. “Com tanto estímulo, as crianças estão mais sensualizadas. Os pais se inibem, mas devem esforçar-se para não passar a idéia de que sexo é vergonhoso”, recomenda a professora Eneida Matarazzo, do Departamento de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da Universidade de São Paulo.

Com certeza, os pais se esforçam, mas há dúvidas se uma criança pequena deve saber como é a mecânica sexual. Os psicólogos orientam os pais a ser espontâneos, claros e objetivos, mas raramente mostram como falar, que palavras usar. Há justificativas. “Cada situação é única e cada criança também. Uma é mais madura que a outra. Também é preciso respeitar a cultura familiar. Por isso, não há uma receita”, explica Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “De qualquer forma, se a criança pergunta é porque há abertura para saber um pouco mais”, completa ele. É por essa razão que, sem pretensão de dar uma fórmula perfeita, Istoé solicitou a duas especialistas que respondessem a algumas perguntas da forma como o fariam a uma criança, de bate-pronto.

Berlinda – Nenhum pai deve decorar as respostas, mas pode tê-las como uma providencial inspiração na hora de aplacar o receio de ferir a pureza infantil, como aconteceu com a vendedora Alessandra e o gerente comercial Carlos Alberto Del’Labon. Eles se sentiram na berlinda quando a filha Giulia, seis anos, recebeu na escola um livreto, que dizia que o filho surgia do encontro da sementinha do pai com a sementinha da mãe. “Estava tudo lindo. Aí, ela vira e pergunta: ‘Mas como uma sementinha encontra com a outra?’ Desconversei”, conta a mãe. O adulto acha estranho falar de sexo com uma criança de cinco, seis anos. Mas a curiosidade precoce é explicável. A partir dos três anos, a criança começa a fazer relações entre os assuntos. Dos cinco aos sete, desperta para o mundo externo e começa a se desligar da mãe, seu primeiro objeto de amor, e surge o interesse por temas sexuais. Os limites de idade podem variar de criança para criança. Se há irmãos mais velhos, por exemplo, algumas fases podem ser aceleradas.

É provável que Luisa, cinco anos, filha do pneumologista Paulo Sérgio Campos Salles e da geriatra Adriana Ciochetti, tenha acesso a certas informações mais cedo que seu irmão Paulo, nove anos.

Mas o casal não se constrange de explicar aos filhos “as coisas da vida”. “Mostro o lado biológico de forma respeitosa e natural, sem floreios. A criança faz uma pergunta direta e quer uma resposta direta”, diz o médico. Apesar do orgulho que sentem da curiosidade dos filhos, não estão livres de enrascadas. A última foi explicar quem criou Deus. “Isso ninguém conseguiu me dizer”, reclama o menino, que junta às preocupações metafísicas outras mais concretas. “Ele já quis saber o que era uma prostituta. Falei que era uma mulher que transava por dinheiro, sem amor”, conta o pai.

As perguntas, por mais constrangedoras que pareçam, são oportunidades para se criar um canal de diálogo. “As crianças, hoje, ficam muito sozinhas, e não se deve desperdiçar o momento”, orienta a psicanalista Ana Maria Iencarelli, presidente da Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência. A associação mantém no Rio de Janeiro o serviço telefônico Teca (0xx21 3860-0665), que recebe mil ligações por mês de crianças e adolescentes. Muitas com queixas de maus-tratos – o que abre outro capítulo no bate-papo com os pequenos. A pedofilia, por exemplo, é um risco para o qual eles devem ser alertados, tão importante quanto satisfazer a curiosidade em torno do julgamento de Michael Jackson. “A criança deve saber que não é certo um adulto tocar suas partes íntimas. Deve-se dizer a ela que, se alguém fizer tal proposta, ela deve falar sem medo para um adulto em quem confie. Normalmente, o pedófilo faz ameaças à mãe da criança para que ela não fale”, informa a psicanalista.

Intimidade – Essa disposição para a conversa, no entanto, não significa que temos que tratar de qualquer assunto a todo instante. “Se o momento é inadequado, dizemos à criança que conversaremos mais tarde. É uma forma de ensinar-lhe algo sobre intimidade”, lembra Ana Maria. De qualquer modo, é bom estar preparado. Um acontecimento fortuito pode motivar questionamentos. Foi depois de ouvir uma canção, que Lucas, oito anos, filho da podóloga Guiomar de Oliveira, saiu-se com essa. “Mãe, ainda vou descobrir o que é transar. Surpresa, Guiomar não disse nada. No outro dia, perguntou a ele: “Descobriu o que é transar?” Lucas respondeu: “Descobri, mas não posso falar, mãe.” Ela achou graça, mas agora espera uma chance para voltar ao assunto.

Por: Rita Moraes, Editora Três